Depois de cumpridas suas obrigações pessoais, para com a sociedade, a família e sabe-se lá mais com o quê, chega a hora do dia (ou da madrugada) em que sua sala lhe pertence, no mais absoluto silêncio. Nessa hora, em determinada poltrona, abre-se um livro e...
domingo, 3 de agosto de 2008
Descoberta em Goiás Velho
Fiz em 2004 uma viagem à Goiás Velho com minha mãe. Eu, ela, nossas malas, um carro e um mapa. Tivemos oportunidade, entre outras coisas, de visitar a casa de Cora Coralina. Bem ali, à margem do rio Vermelho, entramos em sua casa simples, vimos sua cama de taipas, a cadeira de balanço que foi de seu pai, o fogão à lenha em que ela exercia seu ofício de doceira.
Eu, que sempre fui fã de seus poemas, de seu linguajar simples, de suas histórias cotidianas, descobri que seu nome era na verdade Ana. Dona Ana. Aninha da casa do rio Vermelho.
Descobri que ela só estudou até a quarta série, casou cedo e mudou-se para o interior de Sao Paulo. Pesquisei depois o que foi feito de sua vida: Seu marido ao falecer, deixou tres filhos. Para criá-los ela vendeu livros, fez linguiças e finalmente voltou para o colo de sua terra, para a casa que fora de seu pai e de seu avô.
Aos 50 anos, nessa casa, disse ter experimentado uma transformação íntima, verdadeira e duradoura, um renascimento: a perda do medo. Assumiu o pseudônimo de Cora Coralina e publicou seu primeiro livro aos 75 anos. Consagrada como uma das maiores poetisas da língua portuguesa do séc xx, teve o reconhecimento ainda de Carlos Drummond, e quem somos nós para desdizê-lo, não é verdade?
“Humildade
Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho. Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.”
Cora Coralina
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Marcia,
ResponderExcluirMorro de curiosidade de ir a Goiás Velho. Agora que li seu post...me deu mais vontade ainda.
Um beijo, Karina Kovalick