Das muitas coisas que não fiz, a que mais me arrependo foi a de não ter socorrido um pássaro. Era tarde, eu voltava da pós e ainda tinha, pelo menos, uma hora de estrada pela frente. O pobre animal chocou-se contra o pára-brisa do meu carro, pensei que fosse uma pedrada. Mas pelos restos mortais, verifiquei que tratava-se de um passarinho, borrocado no vidro, um pedaço de pena. Mas não pude parar, está já morto, pensei. E segui meu caminho até a segurança da minha casa.No meio da noite acordei, ouvindo o grito do passarinho. Ele pedia socorro, caído no meio da estrada, no escuro, no asfalto. Mas já não havia o que fazer, eu de pijamas na sala, andava com o maior remorso do mundo. Acordei o marido, para não ter medo sozinha, e insisti que ele fosse comigo até lá. Até mais ou menos lá, nem sei bem onde, o pássaro agonizava. Você enlouqueceu, volta prá cama, ele disse, ainda são duas da madrugada. Mas eu não podia, a lembrança do que eu havia feito era horrível demais para me assossegar. Vendo que eu estava irredutível, ele cedeu: ao menos bota uma roupa, se amanhece as pessoas te pegam de pijamas...Companheiro, foi comigo caminho de volta, bem devagarinho a partir de um ponto imaginário, onde eu acreditava que encontraria o pobre bicho. Mas nada. Voltei muito triste para casa, tendo que suportar ainda um ligeiro mau-humor, infundado, do marido. Já era dia e a hora havia se imposto, para que déssemos nosso trabalho por encerrado.Durante meses não dormi, pensando nisso. Lá no quentinho da minha cama, debaixo do edredom, pensava no pobre pássaro que, inadvertidamente, matei. E não socorri, quando ainda podia ter feito a diferença.
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