segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - Uma história de amor

“Desejo dizer que há gente que não acredita em amor à primeira vista. Outros ao contrário, além de acreditar, afirmam que este é o único amor verdadeiro. Uns e outros têm razão. É que o amor está no coração das criaturas, adormecido, e um dia qualquer ele desperta, com a chegada da Primavera ou mesmo no rigor do Inverno."



Minha avó recebeu uns parentes de Belo Horizonte para um lanche em casa. As visitas trouxeram presentes para as crianças, eu e minha irmã, que devíamos ter oito e seis anos, respectivamente.
Chocolates lingua de gato da Kopenhagen, caramelos, e o mais belo livro infantil que já tive o prazer de ler, e que ainda hoje figura entre meus preferidos: O gato malhado e a andorinha Sinhá.
Fiquei encantada com as ilustrações do gato bigodudo, de dentes arreganhados, sexuado demais para um livro infantil. A história de um gato malvado que se apaixona por uma andorinha é belíssima e cheia de passagens poéticas. Seus capítulos levam os nomes das estações do ano, e como tal, refletem os interiores dos personagens envolvidos nessa impossível história de amor.
Meu trecho favorito, engraçadíssimo, é aquele em que o gato, perdido de amor, resolve escrever um poema para a andorinha, buscando no fundo de sua alma o que dizer, faz um espetacular plágio de " a baratinha ya-yá, a baratinha yo-yo, a baratinha bateu asas e voou". É de chorar de rir.
O conto, escrito em Paris por Jorge Amado, foi feito com a intenção de presentear seu filho, no primeiro aniversário, no tempo em que ele morou lá, com Zélia Gatai. Ficou perdido entre as coisas do menino, até que o mesmo, já crescido, resolve tornar público esse escrito. Caribé fez as ilustrações originais. Um verdadeiro presente para crianças de qualquer idade. Buscando comprá-lo pela internet, para presentear o meu garoto, descobri que já foi musical e atualmente é peça de teatro em cartaz em São Paulo.

“O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e dona andorinha.”

Coloco este legado de Jorge entre uma de minhas melhores lembranças literárias da infância.



Márcia Taube

sábado, 6 de setembro de 2008

Uma certa viagem



Comprar um bilhete aéreo para qualquer lugar do planeta, exige antes de mais nada, certo desprendimento. Não apenas financeiro, como também, de certas convenções que se prestam a fazer com que permaneçamos sempre atrelados a uma série de obrigações.
É preciso ter coragem para dizer adeus ao chefe e colegas de trabalho e ter a certeza de que ao voltar, não seremos vítimas de pequenas surpresas, tais como ver seu nome indicado para alguma situação em que não estando presente, não teve como defender-se. Isso é mais comum do que se imagina.
Além do que, caminhar longe da segurança de seus domínios, sem estar cercada de seus próprios móveis e coisas, pode ser viciante.
O desapego contínuo pode acabar revelando que temos muito mais do que julgávamos necessário, ou pior, que aquilo que chamávamos de "nossas coisas" deixaram de ter sentido.
A súbita compreensão de que as muitas coisas que acumulamos ao longo dos anos e que hoje coabitam à volta de nossa existência, parecem não mais nos pertencer, é assustadora.
Longe dos meus habituais sapatos, temo descobrir que necessito de novos caminhos. Sem qualquer um de meus seletos objetos, afasto-me aos poucos da lembrança do presente, que escolhi.
A compra de um bilhete aéreo, convida o viajante a uma auto-visita, em país estrangeiro. Aos amigos que me perguntam, recomendo que embarquem, para terem no regresso, a certeza de que estiveram sempre no lugar desejado, nas cidades e nos apartamento corretos. Só assim a rotina dos dias não lhes será pesada.
Boa viagem!
Márcia Taube

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Desejos de eremita.

Já deve ter lhe acontecido de você estar numa festa e perceber que talvez fosse melhor ter ficado em casa, pois as pessoas que lá estão, nada tem a ver com você. Reuniões em que, logo de cara, segregam-se os casais, imaginado que os assuntos entre os sexos são divergentes, em pleno século 21! Mulheres de um lado, tentando ser agradáveis, buscam desempenhar o papel que imaginam lhes caber, tais como servir salgados, fazer o pratinho das crianças, conversar sobre assuntos cotidianos, do domínio de todos, para que ninguém se sinta excluído. Nesse caso, nada melhor que as agruras domésticas, entre outras pérolas. Alguns temas, por delicadeza, não convém. Para que falar de suas conquistas no trabalho, da viagem maravilhosa que fez, dos novos autores que descobriu, se certamente, nem todos os presentes podem partilhar desses assuntos? Você pode parecer esnobe ou pedante. Os homens, claro, falam sobre trabalho, através de perguntas mais ou menos diretas, medem-se socialmente. As ocasiões em que conversam sobre mulheres, esportes e em especial, futebol, não é necessariamente a mesma em que têm a oportunidade de vestir um terno e uma gravata. Tais assuntos ficam melhor empregados em clubes ou em rodinhas com a turma do escritório. Caso não faça parte de nenhum casal, pior para você, ocasião em que será alvo de avaliações detalhadas por ambos os times, e haja jogo de cintura para bancar a divertida-inofensiva-e-gente-boa! Há situações em que, de copo na mão, você percebe que o assunto está para lá de arrastado, mas não consegue desvencilhar-se dele. Superficial, previsível, enquanto a boca fala a primeira coisa que lhe ocorre, os olhos vagueiam pelo salão, em busca de socorro. Ainda assim, nada pode ser pior do que encontrar aquela amiga extrovertida e eloqÜente, verdadeira metralhadora de palavrórios, onde você tentando balbuciar algumas frases coerentes, percebe que está à margem do diálogo. Ela fala só. Por acaso, você está presente, mas ela não lhe viu. Ou então, espera que fale a última palavra, para retomar seu assunto do ponto em que parou, ela só precisa ser ouvida, nada mais. Banalidades, mediocridade, falsos encontros. O que buscam as pessoas, insistindo em ir a lugares como esses que descrevi? Ocupar um vazio social, sentir-se parte integrante de um meio, muito embora não esteja certa de pertencer a ele. Porque o pior de tudo é sentir que não faz parte de nada, que convive bem demais com a propria vontade de estar só. De estar satisfeita com seu egoísmo e que a intolerância em relação aos defeitos alheios, pode estar mascarando um desejo de destacar-se da tribo. Um desejo de eremita, em não ser contrariado. Um alívio. Uma doença. Uma dolorosa paz. Márcia Taube.