segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Mohenjo-Daro- A cidade esquecida

Nunca havia ouvido falar, nem lido nada a respeito de Mohenjo-Daro, uma cidade que existiunas proximidades de onde hoje é o Paquistão. Lendo "Uma Breve História do Mundo", de Geoffrey Blainey, deparei-me com a história dessa civilização que floresceu por volta de 2500aC, por mais de setecentos anos e chegou a ter entre 40 a 70 mil habitantes, em uma área de talvez cinco vezes o tamanho da Grã-Bretanha. A cidadela tinha ruas retangulares, era abastecida com água fresca, providas de banheiros, contando com tijolos de barro muito bem pavimentados para suas construções. conheciam a arte, deixando para trás inúmeros objetos de cobre e marfim de uso cotidiano, cultivavam trigo, cevada e outros vegetais, que provavelmente tiveram ali o início de sua domesticação, antes de espalhar-se pelo oriente médio e pelas Américas. Mas o mais intrigante, foi a forma como desapareceu, repentinamente e sem deixar explicações aos historiadores. Seus habitantes foram surpreendidos pela morte, em seus afazeres diários, junto com seus animais domésticos, sem que armas ou qualquer outro indício de guerra fosse encontrado. Neste local não existe tumbas, mas os esqueletos de homens, mulheres e crianças carbonizados ou calcinados são altamente radioativos. A escrita desse povo em nada acrescenta às investigações, pois ainda não foi decifrada. A Tradução para Mohenjo-Daro, significa algo entre"vale dos mortos"ou "Monte dos mortos" e foi descoberta na década de vinte pelo arqueólogo sir John Marshall. Se ficaram curiosos, experimentem ver as fotos do lugar nesse site: www.mohenjodaro.net e aí vai umazinha para dar água na boca: é a foto de um banho público, já que eles foram os precursores desse tipo de banho, aquecido por caldeiras, que mais tarde foram copiados por outros povos...
Adoro civilizações perdidas! Beijos aos amigos (e aos inimigos, caso haja algum, desejo que se lasquem em bando!) e até a próxima! Márcia

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Sumiço

Tenho tido muito pouco tempo para minhas próprias coisas, por isso abandonei um pouco, sem remorsos, esse espaço de troca de idéias. Os cachorros tiveram carrapatos, as crianças precisaram de acompanhamento escolar, nutricionista, griparam, além de terem crescido e necessitado de mais roupas e sapatos. Semana final de provas, serviços, horas extras, reuniões de grupo, sem que eu pudesse comparecer. O carro ficou dois meses sem lavar e se não fosse a empregada, nem frutas haveria na geladeira. Morri por uns meses. Submergi no caos. Flanei em pensamentos, muitos politicamente incorretos, por uns tempos, poucas horas ao dia. Cobranças de todos os lados, nenhuma assistida, todas relegadas. Aniversários aconteceram em que não comprei presentes, nem dei telefonemas. Nem todos entenderam, achando que não me importo. De fato, por esses tempos, não me importei, abandonei-me e a todos. Mas enfim, porque este mês é aniversário do marido e da filha, achei por bem reagir e voltar para o mundo dos vivos. Hoje comecei a ler O Amante de Lady Chaterley, e que pena que ele não nos choque mais, atualmente! Beijos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - Uma história de amor

“Desejo dizer que há gente que não acredita em amor à primeira vista. Outros ao contrário, além de acreditar, afirmam que este é o único amor verdadeiro. Uns e outros têm razão. É que o amor está no coração das criaturas, adormecido, e um dia qualquer ele desperta, com a chegada da Primavera ou mesmo no rigor do Inverno."



Minha avó recebeu uns parentes de Belo Horizonte para um lanche em casa. As visitas trouxeram presentes para as crianças, eu e minha irmã, que devíamos ter oito e seis anos, respectivamente.
Chocolates lingua de gato da Kopenhagen, caramelos, e o mais belo livro infantil que já tive o prazer de ler, e que ainda hoje figura entre meus preferidos: O gato malhado e a andorinha Sinhá.
Fiquei encantada com as ilustrações do gato bigodudo, de dentes arreganhados, sexuado demais para um livro infantil. A história de um gato malvado que se apaixona por uma andorinha é belíssima e cheia de passagens poéticas. Seus capítulos levam os nomes das estações do ano, e como tal, refletem os interiores dos personagens envolvidos nessa impossível história de amor.
Meu trecho favorito, engraçadíssimo, é aquele em que o gato, perdido de amor, resolve escrever um poema para a andorinha, buscando no fundo de sua alma o que dizer, faz um espetacular plágio de " a baratinha ya-yá, a baratinha yo-yo, a baratinha bateu asas e voou". É de chorar de rir.
O conto, escrito em Paris por Jorge Amado, foi feito com a intenção de presentear seu filho, no primeiro aniversário, no tempo em que ele morou lá, com Zélia Gatai. Ficou perdido entre as coisas do menino, até que o mesmo, já crescido, resolve tornar público esse escrito. Caribé fez as ilustrações originais. Um verdadeiro presente para crianças de qualquer idade. Buscando comprá-lo pela internet, para presentear o meu garoto, descobri que já foi musical e atualmente é peça de teatro em cartaz em São Paulo.

“O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e dona andorinha.”

Coloco este legado de Jorge entre uma de minhas melhores lembranças literárias da infância.



Márcia Taube

sábado, 6 de setembro de 2008

Uma certa viagem



Comprar um bilhete aéreo para qualquer lugar do planeta, exige antes de mais nada, certo desprendimento. Não apenas financeiro, como também, de certas convenções que se prestam a fazer com que permaneçamos sempre atrelados a uma série de obrigações.
É preciso ter coragem para dizer adeus ao chefe e colegas de trabalho e ter a certeza de que ao voltar, não seremos vítimas de pequenas surpresas, tais como ver seu nome indicado para alguma situação em que não estando presente, não teve como defender-se. Isso é mais comum do que se imagina.
Além do que, caminhar longe da segurança de seus domínios, sem estar cercada de seus próprios móveis e coisas, pode ser viciante.
O desapego contínuo pode acabar revelando que temos muito mais do que julgávamos necessário, ou pior, que aquilo que chamávamos de "nossas coisas" deixaram de ter sentido.
A súbita compreensão de que as muitas coisas que acumulamos ao longo dos anos e que hoje coabitam à volta de nossa existência, parecem não mais nos pertencer, é assustadora.
Longe dos meus habituais sapatos, temo descobrir que necessito de novos caminhos. Sem qualquer um de meus seletos objetos, afasto-me aos poucos da lembrança do presente, que escolhi.
A compra de um bilhete aéreo, convida o viajante a uma auto-visita, em país estrangeiro. Aos amigos que me perguntam, recomendo que embarquem, para terem no regresso, a certeza de que estiveram sempre no lugar desejado, nas cidades e nos apartamento corretos. Só assim a rotina dos dias não lhes será pesada.
Boa viagem!
Márcia Taube

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Desejos de eremita.

Já deve ter lhe acontecido de você estar numa festa e perceber que talvez fosse melhor ter ficado em casa, pois as pessoas que lá estão, nada tem a ver com você. Reuniões em que, logo de cara, segregam-se os casais, imaginado que os assuntos entre os sexos são divergentes, em pleno século 21! Mulheres de um lado, tentando ser agradáveis, buscam desempenhar o papel que imaginam lhes caber, tais como servir salgados, fazer o pratinho das crianças, conversar sobre assuntos cotidianos, do domínio de todos, para que ninguém se sinta excluído. Nesse caso, nada melhor que as agruras domésticas, entre outras pérolas. Alguns temas, por delicadeza, não convém. Para que falar de suas conquistas no trabalho, da viagem maravilhosa que fez, dos novos autores que descobriu, se certamente, nem todos os presentes podem partilhar desses assuntos? Você pode parecer esnobe ou pedante. Os homens, claro, falam sobre trabalho, através de perguntas mais ou menos diretas, medem-se socialmente. As ocasiões em que conversam sobre mulheres, esportes e em especial, futebol, não é necessariamente a mesma em que têm a oportunidade de vestir um terno e uma gravata. Tais assuntos ficam melhor empregados em clubes ou em rodinhas com a turma do escritório. Caso não faça parte de nenhum casal, pior para você, ocasião em que será alvo de avaliações detalhadas por ambos os times, e haja jogo de cintura para bancar a divertida-inofensiva-e-gente-boa! Há situações em que, de copo na mão, você percebe que o assunto está para lá de arrastado, mas não consegue desvencilhar-se dele. Superficial, previsível, enquanto a boca fala a primeira coisa que lhe ocorre, os olhos vagueiam pelo salão, em busca de socorro. Ainda assim, nada pode ser pior do que encontrar aquela amiga extrovertida e eloqÜente, verdadeira metralhadora de palavrórios, onde você tentando balbuciar algumas frases coerentes, percebe que está à margem do diálogo. Ela fala só. Por acaso, você está presente, mas ela não lhe viu. Ou então, espera que fale a última palavra, para retomar seu assunto do ponto em que parou, ela só precisa ser ouvida, nada mais. Banalidades, mediocridade, falsos encontros. O que buscam as pessoas, insistindo em ir a lugares como esses que descrevi? Ocupar um vazio social, sentir-se parte integrante de um meio, muito embora não esteja certa de pertencer a ele. Porque o pior de tudo é sentir que não faz parte de nada, que convive bem demais com a propria vontade de estar só. De estar satisfeita com seu egoísmo e que a intolerância em relação aos defeitos alheios, pode estar mascarando um desejo de destacar-se da tribo. Um desejo de eremita, em não ser contrariado. Um alívio. Uma doença. Uma dolorosa paz. Márcia Taube.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Revolução dos Bichos-George Orwell

Queridos amigos: Houve um lugar no mundo, onde os animais seguiam um criterioso mandamento: 1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo. 2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo. 3. Nenhum animal usará roupas. 4. Nenhum animal dormirá em cama. 5. Nenhum animal beberá álcool. 6. Nenhum animal matará outro animal. 7. Todos os animais são iguais. Posto isto, só nos resta o deleite de reconhecer nesse maravilhoso livro de Georte Orwell, personagens da revolução comunista, na extinta União Soviética. Imaginem um sítio onde os animais, explorados e maltratados pelo homem, resolvem criar uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos seriam considerados verdadeiros "camaradas". Sob o comando de dois porcos revolucionários, em clara alusão á Trotsky e Stalin, os animais conseguem expulsar o fazendeiro, tomar o poder, e ensinam os sete mandamentos acima aos demais bichos, trocando o nome da granja para Granja dos Bichos. Para as ovelhas, animais de QI menos elevado, assimilarem o que estava acontecendo, resumem os sete mandamentos em "quatro patas bom, duas patas ruim". O hino "bichos da Inglaterra", criado pelos porcos, levava os animais às lagrimas. Para livrarem-se do jugo servil ao homem, os bichos nunca trabalharam tanto. Muito mais do que quando não eram livres. Constroem um moinho para gerar energia e prosperando, começam a vender seus produtos para os homens, sempre convencidos pelos porcos que pequenas concessões deveriam ser feitas em prol de um bem maior. Um dos porcos difama e expulsa seu antigo companheiro, que mesmo no exílio, sempre é citado como bode expiatório para tudo de errado que surge durante o solitário governo do porco ditador. Sempre convencidos de que os porcos tinham razão, mesmo quando tinham direito a regalias que os demais animais não desfrutavam, tais como ração diferenciada, usufruir dos luxos da casa do antigo fazendeiro, certa manhã, os animais acordam com uma novidade de cair os queixos: No local onde antes estava escrito os sete mandamentos da Animalia, agora apresentava as seguintes modificações: 4. Nenhum animal dormirá em cama com lençóis. 5. Nenhum animal beberá álcool em excesso. 6. Nenhum animal matará outro animal sem motivo. 7. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros. TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS MAS ALGUNS ANIMAIS SÃO MAIS IGUAIS DO QUE OS OUTROS- Apreciem amigos, todas as palavras e cada letra desta frase! Aclamado como líder pela unanimidade dos animais, o porco Napoleão, torna seu poder de fato por de direito, bane a canção dos Bichos da Inglaterra, as marchas dominicais, os desfiles, a cor da bandeira e dá a revolução por terminada, já que a sociedade teria atingido o ápice esperado. A granja passa a chamar-se Granja do Solar e os vizinhos seres humanos passam a ser admitidos. Os amigos humanos parabenizaram os porcos pelos métodos modernos de ordem e disciplina impostos. Os bichos não conseguem recordar-se se suas vidas seguiram conforme o prometido, se era melhor ou não na época do fazendeiro homem e não se surpreendem em escutarem as ovelhas balirem que " quatro patas bom, duas patas melhor!" Transcrevo o último trecho dessa curiosa fábula: "Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco." George Orwell foi um ferrenho defensor das milícias marxistas, até deparar-se com o horror do Stalinismo. Lutou na Guerra Espanhola,ao lado dos comunistas. Desiludido, escreveu essa obra, que só pode ser publicada em 1945, com o término da guerra. Com essa metáfora, o autor abre nossa percepção para o fato de que os ditadores, revestidos de forma a enganar os olhos desejosos do povo, apropia-se desses desejos, para manipular o próprio povo. Através do medo, da sujeição, da omissão e do uso das palavras corretas, conclui o seu domínio, escondendo-se detrás da face do personagem criado pelo desejo popular. A História sempre se repete, de forma cíclica. A revolução dos Bichos nunca foi tão atual. Canção dos Bichos da Inglaterra: Bichos da Inglaterra e da Irlanda, Daqui,dali, de acolá, Escutai a alvissareira Novidade que virá. Mais hoje, mais amanhã, O Tirano vem ao chão, E os campos da Inglaterra Só os bichos pisarão. Não mais argolas nas ventas, Dorsos livres dos arreios, Freio e espora enferrujando E relho em cantos alheios. Riqueza incomensuravel, Terra boa,muito grão, Trigo,cevada e aveia, Pastagem, feno e feijão. Lindos campos da Inglaterra, Ribeiros com aguas puras, Brisas leves circulando, Liberdade nas alturas. Lutemos por esse dia Mesmo que nos custe a vida. Gansos,vacas e cavalos, Todos unidos na lida. Bichos da Inglaterra e da Irlanda, Daqui,dali, de acolá, Levai esta minha mensagem E o futuro sorrirá. Márcia Taube

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O poema- Mário Quintana

Um poema como um gole d'água bebido no escuro. Como um pobre animal palpitando ferido. Como uma pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna. Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema. Triste. Solitário. Único. Ferido de mortal beleza.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Free for all !

Nada nesse mundo deveria ser pago, principalmento se forem artigos de primeira necessidade. Nem comida, nem escola, nem moradia, nem saúde. Também os artigos de segunda e terceira necessidades deveriam ter preços simbólicos. Todos deveriam ter acesso ao supérfluo e mesmo ao luxo. Que nesse caso, deixariam de ser luxos, pois não teriam mais a conotação de exclusividade. Não posso convencer minha empregada a trabalhar de graça, nem o piscineiro, ou eles me deixariam na mão. O curso de inglês, a academia de ginástica e Karatê não aceitariam esse tipo de proposta, o sansei riria na minha cara, estou bem certa disso. Fazer a feira sem levar dinheiro está fora de cogitação, nem mesmo na hora da xepa. Isso tudo é desgastante e me dá um cansaço do mundo. A bolsinha da vitrine pode não ser indispensável, mas dá mais graça ao meu viver, e também a impressão de que meu trabalho não serve só para pagar as conta de luz e do cartão de crédito. Todos os cartões de crédito, aliás, deveriam ter margem infinita, e as faturas não chegariam nunca. Tudo pelo bem da humanidade. Não haveria mais fome nem ignorância no mundo, estando todos os bens de consumo e a cultura ao alcance de todos. As crianças, em sua inocência, estão cobertas de razão quando ao nos pedir determinado brinquedo que lhes é negado, sob a desculpa de "mamãe hoje está sem dinheiro", respondem dizendo: "Ué, usa o cheque!"-Eu também gostaria que fosse assim! Não sou a favor do básico. Sou favorável a todos os supérfluos que as crianças têm direito. Biscoitos recheados, iogurtes de morango, bonecos de última geração, livros de Monteiro Lobato, Mark Twain, Julio Verne. Além disso, cinema com pipoca, todos os picolés em lançamento e peças de teatro. Disney para todos, não devemos ter preconceitos para agradar á infância e fazer seres humanos mais alegres e preparados. Fora disso, a realidade é brutal. Se eu trabalharia de graça? E porque não, se todos fizessem o mesmo? Antes que vocês imaginem que estou louca, visitem estes sites de restaurantes, onde as pessoas podem comer de graça se não tiverem dinheiro para pagar, ou trabalhar de graça, para sentirem-se melhor com o mundo: http://www.soallmayeat.org/ http://www.lentilasanything.com/ Não são as únicas opções, inúmeros locais como esses estão espalhando-se pelo mundo. No RJ, mesmo já existe um restaurante onde a caixinha é aberta ao público. Quem pode, paga os 10%ou mais, quem não pode, tira o quanto precisa, além de não pagar a conta. Nenhum desses lugares até hoje teve prejuízo, sinal de que as coisas não estão de todo perdidas, e que algumas pessoas ainda acreditam na dignidade do ser humano. Viabilizar idéias aparentemente loucas também é uma forma de encarar positivamente a vida. O descabido pode ser muito viável, se todos assim desejarmos. Plantar uma semente de esperança na materialidade das coisas. Eu desejo. Beijos, Márcia .

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Florbelianas

FANATISMO "Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver ! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida ! Não vejo nada assim enlouquecida ... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida ! "Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..." Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim ! E, olhos postos em ti, digo de rastros : "Ah ! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..." Queridos amigos: isso não é de Fagner! Foi escrito em 1923 pela poetisa portuguesa Florbela Espanca. Seus lindos sonetos parecem ter sido escritos pedindo para serem musicados! "Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!" Nascida em Évora, linda cidade portuguesa, que tive a oportunidade de visitar há oito anos atrás, com suas ruinas romanas dedicadas á deusa Diana. Teve uma história de vida conturbada, desde seu nascimento. A mulher de seu pai não podia ter filhos e seguindo uma tradição medieval, os teve com outra mulher, que acabou deixando o a poetisa e seu irmão para serem criados pelo pai e pela madrasta. Melancólica, escreveu aos sete anos seu primeiro poema: A VIDA E A MORTE "O que é a vida e a morte Aquella infernal enimiga A vida é o sorriso E a morte da vida a guarida A morte tem os desgostos A vida tem os felises A cova tem as tristezas I a vida tem as raizes A vida e a morte são O sorriso lisongeiro E o amor tem o navio E o navio o marinheiro" Mas além disso, seus poemas tratavam simplesmente de amor. E foram necessários um amor maior do que o outro, para que, carregados de erotismo, pudessem ser escritos. Precursores do movimento feminista, foram um escândalo! SÚPLICA "Olha pra mim, amor, olha pra mim; Meus olhos andam doidos por te olhar! Cega-me com o brilho de teus olhos Que cega ando eu há muito por te amar. O meu colo é arminho imaculado Duma brancura casta que entontece; Tua linda cabeça loira e bela Deita em meu colo, deita e adormece! Tenho um manto real de negras trevas Feito de fios brilhantes d`astros belos Pisa o manto real de negras trevas Faz alcatifa, oh faz, de meus cabelos! Os meus braços são brancos como o linho Quando os cerro de leve, docemente... Oh! Deixa-me prender-te e enlear-te Nessa cadeia assim etemamente! ... Vem para mim,amor... Ai não desprezes A minha adoração de escrava louca! Só te peço que deixes exalar Meu último suspiro na tua boca!..." A morte de seu pai, a perda de duas gestações, as muitas separações ,o falecimento precoce de seu irmão, agravaram o estado mental da poetisa, que acabou por suicidar no dia de seu aniversário. VAIDADE "Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho...E não sou nada!..." Mas não quero terminar com esse poema tão belo e tão triste. Prefiro fechar com esse outro, que talvez seja o meu favorito: OS VERSOS QUE TE FIZ "Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer. Têm dolência de veludos caros, São como sedas pálidas a arder... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer! Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda... Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz! Amo-te tanto! E nunca te beijei... E nesse beijo, amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz!" Grande Florbela Espanca!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

viver para contar

" No dia 10 de Julho de 1939, minha mãe deu á luz uma menina com um belo perfil de índia, e que foi batizada com o nome de Rita pela inesgotável devoção que tinham lá em casa por santa Rita de Cássia, baseada, entre outras muitas graças, na paciência com que ela superou o gênio ruim do marido extraviado. Minha mãe nos contava que esse marido da futura santa chegou certa noite em casa enlouquecido pelo álcool um minuto depois de uma galinha ter plantado sua cagadela na mesa da sala de jantar. Sem tempo para limpar a toalha imaculada, a esposa conseguiu tapar a caca com um prato para evitar que o marido a visse, e apresssou-se em distraí-lo com a pergunta habitual: -O que você quer comer? O homem soltou um rugido: -Merda. A esposa então levantou o prato e disse com santa doçura: - Está servida. A história conta que o próprio marido se convenceu na hora da santidade da esposa, e converteu-se á fé de Cristo." Quem diria, que Santa Rita, hein? Os livros desse autor são muito interessantes, um caso atrás do outro, a maioria inverossímeis, mas muito divertidos, mágicos. Esse trechinho também foi só para dar água na boca, para quem morar perto de minha casa e prometer devolver eu empresto: Viver para contar é o nome da obra; Gabriel Garcia Márquez, o autor que dispensa apresentações.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Oscar Alfaro-poeta boliviano

Atrás da Igreja que fica no centro histórico de Santa Cruz de la Sierra, existe algumas livrarias, que visitei para buscar uma encomenda. Um de meus professores havia me pedido um livro de poesias de algum escritor boliviano. Até então não me ocorrera ler nenhuma poesia boliviana, nunca me interessei por esse assunto. Mas conheci Oscar Alfaro, e gostei muito. Na verdade eu adorei Oscar Alfaro e acabei comprando um exemplar para mim também. O nome do livro é Romancero. Não tem páginas e sim uma coleção de cartões com imagens de flores e paisagens bolivianas, em cujo verso ele escreve, magistralmente. Copio dois, aqui, para dar água na boca de todos: CANCIÓN DE LA LLUVIA Sobre los techos parlantes cantaban los aguaceros, salpicando de diamentes los airecitos copleros. Y en los terrenos fragantes trinaban los durazneros entre mil lluvias radiantes de luces y de luceros. !Ay! Mi villita canora que desgranaba en la sierra sus versos color de aurora... !Cómo quisiera yo ahora oir cantar a mi tierra, bajo la lluvia sonora!... SEMBRADORA DE ESTRELLAS La aurora despierta pintando las sierras y cruza por ellas la moza labriega... Relumbra su cesta colmada de estrellas y enjoya la tierra con astros que tiemblam... Y cuando se incendian de luces las huertas, la moza morena termina la siembra. Oscar Alfaro. Não, infelizmente não está a venda pela internet. É necessário algum amigo que se aventure até A Bolívia...

História de Goiás

A curiosidade é o que me move, sempre pesquisando, para saber exatamente onde estive,onde estou agora. Que casas são as que vejo, quem morou ali, o que aconteceu com as pessoas de determinado lugar, quase como se ouvisse suas vozes, suas risadas e lamentos. A melhor maneira de se conhecer uma cidade histórica é em primeiro lugar , visitá-la fora da alta temporada. Além de mais barato, evita que as multidões lhe cansem os ouvidos e a vista, tirando o foco do que interessa. sair à noite, em companhia de alguém que também goste disso e embrenharem-se pelos becos e ruelas, ouvido os latidos dos cães, os televisores nas salas, o vento. No caso de Goiás Velho, eu e minha destemida mãe, vimos através de janelões abertos para a rua, o cotidiano simples das pessoas.Também as pessoas se punham, de cadeiras nas calçadas, para ver. Caminhamos pelo centro histórico, ruas pavimentadas de pedras, com todas as Igrejas fechadas, fomos até a Igreja Nossa Senhora do Rosário, em cujos portões haviam cadeados, infelizmente. Essa Igreja foi construída no lugar da Igreja dos pretos, derrubada na tentativa, talvez, de apagar a lembrança da segregação racial na casa de Deus. Vimos por fora o quartel do 20º Btl de Infantaria, iluminado, de onde soldados brasileiros saíram para a guerra do Paraguai. Aliás, guerra da Tríplice Aliança, como agora deve ser chamada. Saímos encantadas com o que vimos, com tudo o que gulosamente comemos, o arroz de pequi, as comidas que me fizeram lembrar um pouco as de Minas Gerais, principalmente a maneira de prepara o Leitão e também as quitandas, que são os biscoitos amanteigados, e os doces em caldas, feitos por inúmeras doceiras, que fizemos questão de visitar. Esta linda cidade foi berço da cultura goiana, nasceu graças á uma crença renascentista que dizia que as minas de ouro encontravam-se todas alinhadas ao Equador. Assim, tendo sido encontrado de um lado, as minas de Cuiabá e de outro, as de Minas Gerais, parecia óbvio que entre esses dois pontos também houvesse tal riqueza. Assim chegaram os bandeirantes, principalmente os paulistas, encontrando a nação de índios Goiá, que trataram de dizimar, para tomar posse de suas minas. O Arraial de Santana foi fundado em 1726 por Bartolomeu Bueno da Silva, que na realidade, já havia estado por aquelas bandas, na infância, acompanhado de seu pai o bandeirante tb chamado Bartolomeu Bueno da silva, mais conhecido como Anhanguera (diabo velho). Naquela primeira expedição, em 1682, reza a lenda que Bartolomeu pai encontrou índias goiáses com os cabelos ricamente adornado em ouro. Como elas se recusassem a contar a origem do metal, o bandeirante encheu uma cuia de aguardente e tocou fogo. Não satisfeito, disse à elas que se insistissem na recusa, iria colocar fogo em todos os rios e fontes dali. Apavoradas, não só revelaram as minas como também deram a ele o apelido com que foi conhecido para a posteridade. O filho de Anhanguera partiu de São Paulo ,aos quarenta anos de idade e vagou durante três anos no sertão do centro-oeste tentando reconstituir os passsos de seu pai, sem sucesso. Acabou por fundar o Arraial, que mais tarde foi elevando á condição de vila: Vila Boa de Goyás. Alguns séculos se passaram, até que Márcia e Maria Alice chegaram lá, procurando uma velha senhora que guardava o segredo da confecção dos alfenins. Batemos em sua porta e ela sem nos conhecer, como toda a gente boa de lá, nos convidou a entrar. Vimos então os bichinhos de açúcar, principalmente pombos e passarinhos de toda a sorte e compreendemos porque hoje em dia essa técnica portuguesa caiu em desuso. Dá um trabalho danado! Em sua sala estava também guardado o estandarte da festa do Divino, uma tradição que também chegou com os portugueses, mas isso também já é uma outra linda história! Márcia Taube

domingo, 3 de agosto de 2008

Conclusões de Aninha- Cora Coralina

Estavam ali parados. Marido e mulher Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça tímida, humilde, sofrida. Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho, e tudo que tinha dentro. Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar novo rancho e comprar suas pobrezinhas. O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula, entregou sem palavra. A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou, se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar E não abriu a bolsa. Qual dos dois ajudou mais? Donde se infere que o homem ajuda sem participar e a mulher participa sem ajudar. Da mesma forma aquela sentença: "A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar." Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada, o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador. Você faria isso, Leitor? Antes que tudo isso se fizesse o desvalido não morreria de fome? Conclusão: Na prática, a teoria é outra.

Descoberta em Goiás Velho

Fiz em 2004 uma viagem à Goiás Velho com minha mãe. Eu, ela, nossas malas, um carro e um mapa. Tivemos oportunidade, entre outras coisas, de visitar a casa de Cora Coralina. Bem ali, à margem do rio Vermelho, entramos em sua casa simples, vimos sua cama de taipas, a cadeira de balanço que foi de seu pai, o fogão à lenha em que ela exercia seu ofício de doceira. Eu, que sempre fui fã de seus poemas, de seu linguajar simples, de suas histórias cotidianas, descobri que seu nome era na verdade Ana. Dona Ana. Aninha da casa do rio Vermelho. Descobri que ela só estudou até a quarta série, casou cedo e mudou-se para o interior de Sao Paulo. Pesquisei depois o que foi feito de sua vida: Seu marido ao falecer, deixou tres filhos. Para criá-los ela vendeu livros, fez linguiças e finalmente voltou para o colo de sua terra, para a casa que fora de seu pai e de seu avô. Aos 50 anos, nessa casa, disse ter experimentado uma transformação íntima, verdadeira e duradoura, um renascimento: a perda do medo. Assumiu o pseudônimo de Cora Coralina e publicou seu primeiro livro aos 75 anos. Consagrada como uma das maiores poetisas da língua portuguesa do séc xx, teve o reconhecimento ainda de Carlos Drummond, e quem somos nós para desdizê-lo, não é verdade? “Humildade Senhor, fazei com que eu aceite minha pobreza tal como sempre foi. Que não sinta o que não tenho. Não lamente o que podia ter e se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou. Dai, Senhor, que minha humildade seja como a chuva desejada caindo mansa, longa noite escura numa terra sedenta e num telhado velho. Que eu possa agradecer a Vós, minha cama estreita, minhas coisinhas pobres, minha casa de chão, pedras e tábuas remontadas. E ter sempre um feixe de lenha debaixo do meu fogão de taipa, e acender, eu mesma, o fogo alegre da minha casa na manhã de um novo dia que começa.” Cora Coralina

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A PASSAGEM- LEDO IVO

Quem nunca ouviu falar de LÊDO IVO, vai ouvir falar agora. Se bem que, acho difícil, sendo ele importante poeta e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras. É dele o poemas que oferto: A PASSAGEM

"Que me deixem passar
- eis o que peço diante da porta ou diante do caminho.
 E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
 somente de mim mesmo acompanhado.
 Mas caso me proíbam de passar por seu eu diferente ou indesejado
 mesmo assim eu passarei.
Inventarei a porta e o caminho e passarei sozinho".

Lêdo Ivo em "O Rumor da Noite"
Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro - 2000.

Eis também um trecho de uma entrevista que o poeta deu a um jornal (não sei qual) e que peguei de empréstimo para nós, aqui: “Minha ligação com Manuel Bandeira foi profunda. De todos os poetas, talvez o que mais me tenha marcado e ensinado foi Manuel Bandeira. Quando eu era menino, mandei poemas para ele. Recebi de volta um cartãozinho em que ele tocou em um ponto que ainda hoje permanece na poesia: “Há muita magia verbal em seus poemas”.Depois percebi que, para mim, a operação poética é como se fosse um encantamento da linguagem – uma magia. Sou um poeta que acha que a poesia é o uso supremo da linguagem.Bandeira fez esta descoberta em meu momento inicial. Deu-me lições perenes : por exemplo,a de que o poeta deve ser um intelectual culto. Só a cultura tem condições de abrir caminhos. Ao poeta,não basta apenas ter talento e vocação. Por que o poeta deve ser realmente um homem culto ? Porque a poesia é um sistema milenar de expressão. É preciso conhecer os mestres. A criação poética não é,portanto,um problema só de sensibilidade. É um problema de cultura. Somente o vasto conhecimento da poesia e da literatura é que permite ao poeta exprimir-se."

Marginália II -Torquato Neto

Eu, braslileiro, confesso minha culpa, meu pecado meu sonho desesperado meu bem guardado segredo minha aflição eu, brasileiro, confesso aqui é o fim do mundo aqui é o fim do mundo ou lá aqui o Terceiro Mundo pede a bênção e vai dormir entre cascatas, palmeiras araçás e bananeiras ao canto da juriti aqui meu canto e glória aqui meu laço e cadeia conheço bem minha história começa na lua cheia e termina antes do fim aqui é o fim do mundo aqui é o fim do mundo ou lá minha terra tem palmeiras onde sopra o vento forte da fome, do medo e muito principalmente da morte 0-lelê, lalá a bomba explode lá fora e agora, o que vou temer? Yes: nós temos banana até para dar e vender aqui é o fim do mundo aqui é o fim do mundo ou lá. Torquato Neto foi poeta e compositor,nascido em Teresina, morou na Bahia e foi contemporâneo de Gilberto Gil na escola, escreveu letras em parceria com Gil, Caetano, Betãnia, Sérgio Britto e teve uma de suas letras musicadas pelos Titãs (GO BACK). Foi um defensor dos artistas de vanguarda e criou muitas polêmicas nos círculos culturais de sua época. Depressivo, matou-se um dia após completar 28 anos, ao voltar de uma festa de aniversário, com gás.

Paganini, o gênio de incomparável feiúra

Paganini, o incomparável violinista genovês, era de uma feiúra incomum, assustadora mesmo, cujo talento só fazia realçar. Certa vez, numa apresentação em Livorno, subiu ao palco manqueteando de uma perna, pois pisara num prego minutos antes. Para deleite geral, esbarrou na estante de partituras e espatifou um castiçal, a sala explodiu em gargalhadas. Feio como ninguém, com rosto magro, descarnado, nariz adunco, cabelos desgranhados, começou a tocar e rompeu-se uma corda. Uma tempestade de vaias sucedeu-se. Sem prestar atenção ao redor, continuou executando o recital com as três cordas que restavam, com tal ardor, imensa maestria, que ao final da apresentação, todos os presentes, estupefactos, aplaudiram de pé. Niccolò Paganini, aliás, ciente de sua feiúra imensa, tratava de adorná-la com uma sobrecasaca preta, que chegava até os pés e ousava comparecer ás cerimônias religiosas não apenas tocando, mas também parecendo-se fisicamente com o diabo, não tardou a ficar conhecido por ter parte com ele. No entanto, compunha obras sacras. Também não lhe favorecia o fato de que adorava acabar com as missas, através da execução de peças com assombrosa técnica, como numa Cerimônia na Catedral de Lucca, onde iniciou um concerto ao violino imitando pássaros, flautas, coro de anjos, trompas celestes ,etc. Diante da platéia estupefacta, manejou o arco com tal virtuosismo, que a missa acabou, pois ninguém conseguia concentrar-se em mais nada. Era comum romperem-se as cordas, pois tocava, de fato como um endiabrado, passional, alheio á tudo a seu redor. Em outra oportunidade, em um concerto em homenagem à irmã de Napoleão Bonaparte, romperam-se a segunda e terceira cordas. Como se não fosse nada, continuou tocando com as duas que sobraram, com tal virtuose que a platéia ficou boquiaberta. A princesa Elsa perguntou-lhe se uma corda bastaria para seu talento e ele demonstrou-lhe que sim, tocando quatro dias depois uma sonata composta para uma única corda, a sonata "Napoleão"! Paganini foi um anjo de talento incomparável. Seu modo agressivo de tocar, suas caretas, sua personalidade difícil, sua feiúra incomum, seus trajes estranhos ajudaram a criar a lenda que em certo cemitério na França, a aparição de um fantasma tocando violino, de uma forma que nenhum ser humano poderia fazer, adquiriu força e caiu no imaginário popular.Vários fantasmas idênticos ,rapidamente espalharam-se pela europa, após a morte do compositor, todos vestidos de sobrecasaca preta. Foi necessário exumar o corpo do falecido, trasladá-lo até a Itália, por concessão especial do Papa. Só assim, 56 anos depois de sua morte, o tal fantasma paganiniano sossegou. No entanto, muitas bandas ainda hoje imitam seu estilo, em especial as de rock pesado, onde o vestuário escuro, o modo de usar a cabeleira e até mesmo o gesto formado pelo indicador e o mínimo levantados, imitam inadvertidamente, o modo como tocava o mestre. Quantas bandas de rock já ouvimos, conhecidas por terem parte com o diabo? É o passado e o presente, se encontrando... Márcia Taube

Do homem que matou Deus


"Este...é agora o meu caminho...onde está o vosso?" Diz Zaratustra. "Assim eu respondi àqueles quem me fizeram perguntas sobre o caminho. Pois "o" caminho...não existe!"


Nietzche, Fredrich- Assim Falava Zaratustra

A Terceira margem do rio- Guimarães Rosa

Inscrevi-me na universidade para assistir uma aula extra, de dialética. Muito usada pelos gregos antigos, desde os filósofos pré-socráticos até Aristóteles, acabou caindo no esquecimento durante a idade média, até ser resgatada por Hegel, para um melhor entendimento da História, mas isso já é outro assunto. Para minha surpresa não me deparei com nenhum texto antigo, mas com Guimarães Rosa, num conto muito bonito, que eu desconhecia. Chama-se A TERCEIRA MARGEM DO RIO, e merece muito ser lido, pela beleza da linguagem coloquial, pelo vislumbre que proporciona ao leitor em toda aquela situação completamente fora de propósito, levando-nos a perguntar qual seria afinal, a terceira margem do rio? É belo, leiam, deêm suas opniões: "Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio." Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 32.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

"A solidão é a condição do ser humano no mundo. Todo ser humano está só. Esta é a grande questão da existência, mas não significa uma coisa negativa, nem que precise de uma solução definitiva. Ou seja, a solução não é acabar com a solidão, não é deixar de sentir angústia, suprimindo este sentimento. A solução não é encontrar uma pessoa para preencher o vazio existencial, não é encontrar um hobby ou uma atividade. A solução não é se matar de trabalhar e se concentrar nisso para não se sentir sozinho. Também não é encontrar uma estratégia para driblar a solidão. A solução é aceitar que se está só no mundo. Simplesmente isso. E sabendo-se só no mundo, viver a própria vida, respeitar a própria vontade, expressar os próprios sentimentos, buscar a realização dos próprios desejos. Quando se faz isso, a vida se enche de significado, de um brilho especial." Martin Heidegger (1889-1976)

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas

Que já têm a forma do nosso corpo

E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares

É o tempo da travessia

E se não ousarmos fazê-la

Teremos ficado para sempre

À margem de nós mesmos."


(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Mil Linhas

De tudo o que escrevo Sou as letras Que fluem eu das canetas. Faço da tinta energia para tornar-me poesia. Sou das linhas simples retrato cuja letra imprime rápido pensamento. Diário aberto que de mim faz ser quem mal expressa as milhares de coisas minhas. Mas que no dia-a-dia, no entanto, assinam meu nome nas linhas.

Mar guardado.

São dois navios, dois caudalosos rios. De um lado, de outro, a maré é amar. São dois brilhos duas estrelas entre os cílios. Talvez seja mar o que tenho abrigado são presságios de um recado. Eu os trago dois rios mais além que um mar guardado. Tenho um beijo aportado, carimbado. Nunca escorra de mim teu mar, pois são neles que navego, são os olhos, amor, que cegos, viajam de lá para cá.

Um apólogo- Conto de Machado de Assis



Este conto é uma delícia machadiana, que me fez lembrar a minha bisa. Talvez pelas palavras, antigas, expressões que ela também usava, ou quer seja pela figura da linha e da agulha, já que costurava, ou tricotava todo o tempo. Antes dos noventa, ela ainda nos contava histórias, fábulas, pequenos contos, enquanto desembaraçava o cabelo meu e de minha irmã.
Pode ser que tenha nos contado essa de fundo moral. Não me lembro. O fato é que ao relê-la, transportei-me imediatamente para aquela época, tão nítidamente pude ver seus objetos sobre a cômoda, o copinho de vidro recendendo a aniz, o pequenino radinho de pilha inglês, que ela tinha tanto ciúmes, o crucifixo de ferro e tive saudades da bisa Alice.
Mas enfim, o Apólogo:

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
-Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa nesse mundo?
-Deixe-me, senhora.
-Que a deixe? Que a deixe por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça;
-Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
-Mas você é orgulhosa.
-Decerto que sou.
-Mas por quê?
-É boa! Porque coso. Então vestidos e enfeites de nosssa ama, quem é que os cose, senão eu?
-Você? esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
-Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
-Sim,mas que vale issso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vema trás obedecendo ao que eu faço e mando...
-Também os batedores vão adiante do imperador.
-Você imperador?
-Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante,vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou á casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou o pano, pegou a agulha, pegou a linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana- para dar a isto uma cor poética.
E dizia a agulha:
-Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo , eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e altiva, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando.E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic-plic da agulha no pano.
Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro,até que no quarto a cabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
-Ora, agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
-Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
-Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Tomie Ohtake

Conheci a obra de Tomie Ohtake aos dezoito, através de uma pintura em tela ampla, pinceladas fortes, de forma espiralar, nas cores vermelha, azul marinho, quando fui conhecer o novo apartamento de meu primo. Ele havia comprado a tela num leilão, e disposto numa parede completamente branca, de pé direito duplo. Não faltava mais nada na casa. Até os móveis de aspecto minimalista pareciam ter sido feito sob medida para não brigar com a imponência da tela.
Interessei-me pela vida e pelo trabalho dessa japonesa, que conseguiu sua cidadania brasileira e que começou a pintar aos quarenta anos de idade. Pinturas, xilogravuras, esculturas...sua obra é completa e luminosa.
Penso que como ela, a maioria de nós pode ter a surpresa de descobrir seus talentos, muitas vezes de forma inesperada, em idade avançada ou em um tempo em que não se está mais preocupado com as coisas muito práticas da vida.
Quem se lembra daquele inusitado polvo amarelo de ferro, na Lagoa Rodrigo de Freitas?

O Lutador- Carlos Drummond de Andrade

Lutar com palavras é a luta mais vã. Enquanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas tão fortes como um javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas á carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça.

Coroação de Nossa Senhora


Houve um tempo em que as crianças eram como anjos e sentiam-se honradas em coroar Nossa Senhora. O privilégio cabia à aluna mais aplicada, áquela sobre a qual não caberia sombra de dúvida: modelo de virtudes, a quem todas as outras deveriam imitar.
Com algum esforço, todas tratavam de mostrar á madre superiora que eram dignas de tal honraria. No mês de maio, os cadernos vinham impecáveis, as mal-criações diminuíam e as mães degladiavam-se.
Ao final da coroação, ficava uma impressão de que o mundo era bom e perfeito, que todas as crianças no mundo estavam protegidas, e almoçavam e jantavam em suas casas.
Hoje perdemos muitas ilusões, vemos que o tempo da inocência passou. Buscamos algum reduto onde possamos exercê-la longe dos olhos da sociedade, para não sermos ridicularizados. Em nossas casas, escondemos nossas crianças do mundo. Ou imaginamos prepará-los para esse mundo, em doses homeopáticas, através dos recursos didáticos que vamos inventando com o coração, sem nunca termos a certeza de que estamos fazendo a coisa certa.
Vez por outra me pergunto por onde andarão aquelas crianças, se conseguiram concretizar os planos de seus pais e os seus próprios desejos, sob a bênção de Nossa Senhora.

O pássaro que não socorri- Márcia Taube


Das muitas coisas que não fiz, a que mais me arrependo foi a de não ter socorrido um pássaro. Era tarde, eu voltava da pós e ainda tinha, pelo menos, uma hora de estrada pela frente. O pobre animal chocou-se contra o pára-brisa do meu carro, pensei que fosse uma pedrada. Mas pelos restos mortais, verifiquei que tratava-se de um passarinho, borrocado no vidro, um pedaço de pena. Mas não pude parar, está já morto, pensei. E segui meu caminho até a segurança da minha casa.No meio da noite acordei, ouvindo o grito do passarinho. Ele pedia socorro, caído no meio da estrada, no escuro, no asfalto. Mas já não havia o que fazer, eu de pijamas na sala, andava com o maior remorso do mundo. Acordei o marido, para não ter medo sozinha, e insisti que ele fosse comigo até lá. Até mais ou menos lá, nem sei bem onde, o pássaro agonizava. Você enlouqueceu, volta prá cama, ele disse, ainda são duas da madrugada. Mas eu não podia, a lembrança do que eu havia feito era horrível demais para me assossegar. Vendo que eu estava irredutível, ele cedeu: ao menos bota uma roupa, se amanhece as pessoas te pegam de pijamas...Companheiro, foi comigo caminho de volta, bem devagarinho a partir de um ponto imaginário, onde eu acreditava que encontraria o pobre bicho. Mas nada. Voltei muito triste para casa, tendo que suportar ainda um ligeiro mau-humor, infundado, do marido. Já era dia e a hora havia se imposto, para que déssemos nosso trabalho por encerrado.Durante meses não dormi, pensando nisso. Lá no quentinho da minha cama, debaixo do edredom, pensava no pobre pássaro que, inadvertidamente, matei. E não socorri, quando ainda podia ter feito a diferença.

Procura da Poesia- Carlos Drummond de Andrade

(...) Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-lo sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciencia, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Hora do Café- Márcia Taube

Às tres da tarde, pausa para o café. Na boca do fogão, a água ferve, para escaldar o bule e o coador de pano. As xícaras brancas, já arrumadas com as colheres e os pratos para servir o bolo de fubá com erva-doce. Desenformar o bolo, cobrir com pano de prato, novo, bem limpo. Coar sem pressa, como se usava fazer antes das coisas ficarem tão práticas. O cheiro envolve a casa, é hora de avisar ao povo que está pronto o café.-O que é isso, perguntam as crianças, espantadas com os apetrechos de roça, nunca vistos em nossa cozinha.-Coisas novas, mas muito antigas, que providenciei. Para vocês conhecerem o jeito como antes se fazia café, antes de existir a cafeteira...-Mas quem vai limpar toda essa sujeira?-É sempre a criança que faz essa pergunta!-Nossa mãe é muito esquisita...Mas ao acercarem-se do bolo, ao levantar o pano branco, mistura-se um novo aroma ao existente: o de bolo quente, recém desenformado.Acredito que toda mãe e todo pai, todo parente próximo que cuida de uma criança, tem a obrigação de ir criando nela memórias afetivas, que educam muito mais do que sermões. São tres da tarde, neste dia qualquer, na minha cozinha. As crianças querem saber se tem manteiga, de verdade.Depois do momento passado, as lembranças serão banais. Mas a recordação dos cheiros, o calor que emana das atitudes de quem é de casa, de alguma forma estarão ali.-Semana que vem vamos soltar uma pipa! Já passou da hora de vocês terem pipas!-Viva a mamãe!
PLATÃO- DEFESA DE SÓCRATES. Tradução de Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade, Gilda Maria Reale Strzynsky- São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda; 1996.1 MÁRCIA VAZ DE MELLO TAUBE MARANHO2 A obra Defesa de Sócrates, escrita por Platão (428-348 aC.) é dividida em três partes distintas: na primeira, Sócrates apresenta sua defesa, na segunda, dialoga com seus acusadores, demonstrando que eles desconheciam o significado daquilo que o acusavam, e finalmente, Sócrates fixa a própria pena e é condenado. Para melhor compreender esta obra em toda sua dimensão, é necessário antes de mais nada, que nos voltemos ao contexto histórico em que ela se insere, para que nenhum detalhe nos passe desapercebido. Acredito que o “Século de Péricles”, idade de ouro da civilização ateniense, em que Sócrates viveu, foi um dos mais maravilhosos e criativos da história da humanidade. Atenas era o centro do mundo grego, para onde convergiam escultores, filósofos, pensadores, poetas e autores trágicos, sob a proteção de Péricles. Em meio a este caldeirão cultural e de experiências políticas, foi que houve a tentativa, pela primeira vez na história da humanidade, de um governo democrático. Havia uma valorização muito grande do poder da oratória, que era vista como arte. Os professores de eloqüência eram buscados para polir a linguagem e melhorar o discurso dos filhos das elites atenienses. __________________________________________________________________________________________________________ 1Resenha apresentada à disciplina de História Antiga, sob a rsponsabilidade do professor Marco Aurélio Machado Oliveira. 2Acadêmica do curso de História, CPAN/UFMS> ____________________________________________________________________ Sócrates acredita ter sido imbuído de uma “missão Divina”: despojar de pseudoverdades seus interlocutores, através do diálogo. Desta forma, afirmando sua própria ignorância a respeito de todas as coisas ,submete seus interlocutores ao método da ironia e da maiêutica e trava embates verbais com os sábios de sua época, terminando por deixá-los confusos acerca do que afirmavam e fazendo-os reconhecer a própria ignorância. Considerando-se um médico de almas, determinava quais pessoas estavam preparadas para receber o “tratamento”. Desta forma, angariou muitos inimigos. Além disso, discursava abertamente em praça pública, democratizando o saber, antes reservado ás classes abastadas. Para a democracia ateniense, que negava á maioria da população ( mulheres,escravos e estrangeiros) direitos políticos e sociais, tal situação constituía uma ameaça, por denunciar suas limitações. Dentro desse contexto, no ano de 399 a.C, Sócrates viu-se diante do tribunal dos heliastes, que era composto de cerca de 500 cidadãos atenienses sorteados, reunidos para julga-lo das acusações de não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Seus acusadores eram Meleto, um poeta; Anitos, um político abastado e Lição, um personagem de pouca importância em sua época. Assim tem início, graças ao relato de Platão, uma das mais deliciosas obras da antiguidade clássica, muito embora nunca se saiba o que de fato foi dito por Sócrates e o que foi acrescentado pelo próprio Platão, seu fiel discípulo, fato este que tem sido alvo de inúmeros estudos pelos historiadores, e que, em minha opnião, torna a história toda muito mais curiosa e divertida. Ao defender-se das acusações, Sócrates parecia buscar defender algo muito maior, que era mostrar ao povo ateniense a ignorância a que estavam submetidos e que a busca pelo conhecimento era direito de todos. O que Sócrates defendia era a liberdade da busca pelo saber, livre de preconceitos, pelo povo ateniense. Sócrates rompe com os paradigmas de sua época dizendo que “(...)bom é, assim, o homem autoconstruído a partir de seu próprio centro e que age de acordo com as exigências de sua alma-consciência”. As mulheres, escravos e estrangeiros, dotados de alma-consciência poderiam, perigosamente, começar a reivindicar seus direitos. E, de fato, essa nova concepção de alma passou a dominar toda a tradição oriental. Uma das coisas mais curiosas, a meu ver, foi a forma pela qual Sócrates obteve autoridade moral para cumprir sua missão e que também não pode ser entendida fora do contexto de sua época: a pitonisa do Oráculo de Delfos. Esta, disse À Querofonte, seu discípulo, que não havia homem mais sábio do que Sócrates, que a partir desse episódio, tomou como missão de vida tentar desmenti-lo. Para tal, como vimos, interrogou os homens tidos como os mais sábios de sua época, sempre saindo decepcionado por ter percebido e feito com que eles percebessem que eram uma fraude. A inteligência e a argumentação convincente de Sócrates é para nós revelada nesse texto, em que temos prova da habilidade oratória experimentada pelos seus concidadãos, como um presente daquela civilização á nossa. Na primeira parte de sua defesa, por exemplo, em um diálogo delicioso de ser lido, Sócrates busca desqualificar Meleto através de uma argumentação analítica, em que demonstra ao povo ateniense que o próprio acusador desconhecia verdadeiramente o significado daquilo que o acusava. Mas é na segunda parte do texto que ao meu ver, reside a parte mais interessante da obra: a exposição do Sócrates histórico, por ele mesmo, onde não busca contestar Meletos e sim, contar a sua história aos atenienses. Essa segunda estratégia de Sócrates, que vendo-se condenado, expõe-se em sua humanidade, é particularmente encantadora. Sócrates vê-se diante de um dilema: tendo sido pedido para ele a pena de morte, poderá refutá-la, solicitando para si outra pena, tal como o exílio, ou uma multa. Sabendo que era essa a intenção, desde o início, de seus acusadores, e não desejando ser lembrado pela juventude por ter capitulado e assumido erros que não cometeu, diante da morte eminente, decide não fazer concessões e a abraça, causando o desconforto de seus acusadores.A democracia ateniense vê-se diante da situação irreparável de ter de condenar um inocente, diante dos olhos do povo. Em algumas partes deste discurso,especialmente a terceira, em que Sócrates despede-se do tribunal, fica muito clara a semelhança entre Sócrates e outra figura histórica: Jesus de Nazaré. Ambos, após uma vida dedicada á pregação e oratória, que consideravam ser uma missão divina, são condenados á morte por crimes que não cometeram e bebem desse cálice. O primeiro, de cicuta, o Segundo, Aquele que lhe foi reservado pelo Pai. Nenhum dos dois escreveu uma única palavra em vida, tudo o que sabemos deles foi escrito por seus discípulos e constituem a base de tudo o que sabemos a respeito de ambos. Sócrates, a exemplo de Jesus, no capítulo XXX, afirma não estar zangado com seus acusadores, nem com aqueles cujos votos o condenou, uma vez que para ele era melhor morrer agora e ser liberto das coisas deste mundo, pois esse era o interesse dos deuses. Nem um nem outro se furtam em abraçar a morte, sem temor. É belíssima a parte em que Sócrates discursa sobre o que a morte seria, uma noite sem sonhos ou uma passagem para outra existência, e em ambos os casos, maravilhosa. Só a existência destes últimos capítulos, a meu ver, já justificaria a leitura dessa obra: “(...)Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se,de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente.(...)Se, ao contrárario,a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juizes, maior do que este?(...) Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade(...).” E despede-se dos presentes, dizendo: “Mas já é hora de irmos: eu para a morte, e vós para viverdes. Mas, quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para deus.”

A HORA- Luís Fernando Veríssimo

O escritor inglês Aldous Huxley tinha uma teoria curiosa, a de que a maturidade de certos artistas não depende da sua idade cronológica, mas de uma espécie de precocidade misteriosamente programada para coincidir com uma vida curta. Ninguém pode dizer o que Mozart faria se tivesse vivido mais do que os trinta e poucos anos que viveu, mas ele dificilmente ficaria mais "maduro" do que já era. Os últimos quartetos de corda de Beethoven, considerados a sua obra mais perfeita, foram compostos pouco antes da sua morte aos 57 anos. Já Verdi morreu com mais de 80 anos, não muito depois de escrever oque dizem ser a sua ópera definitiva, Falstaff, e Goya teve que esperar a velhice e toda a sua amargura para produzir suas melhores gravuras e as fantásticas "pinturas negras" que nunca mostrou ao público, mas são o seu grande legado à história da arte e da consciência humana. A teoria de Huxley, improvável mas literariamente atraente, pressupõe um ceRto poder profético do artista. Shakespeare escreveu A Tempestade com 47 anos, sem saber que seria sua última peça (ele morreu com 52), mas ela tem o tom adequado de um testamento e de uma despedida, como mago Próspero, senhor de todos os dramas e tramas vistos sobre o palco, declarando seu sortilégio acabado e anunciando sua aposentadoria em Milão, onde cada terceiro pensamento será sobre sua sepultura. O final da peça é tão adequado que se suspeita que tenha sido acrescentado depois da morte do autor, mas pode-se imaginar Shakespeare, de volta a Stratford-on-Avon e acossado por maus pressentimentos, dando o mote para todos os artistas ainda por vir: quando pensamentos sobre a sepultura começam a se tornar muito frequentes, apresse-se e providencie seu legado definitivo. Está chegando a hora, não importa a sua idade. O poeta W.H. Auden, comentando a especulação de Huxley, levou-a ainda mais longe. Disse que os artistas morrem quando querem, ou quando devem, e que não existem obras de arte incompletas. Un po troppo, como se vê.

Para que serve mais um blog?

Concretamente falando, um blog serve para evitar que inúmeros livros ruins sejam publicados. Já li muitos poemas que não deveriam ter sido escritos. Eu mesma já escrevi poemas horrorosos, em que minha falta de talento ficava patente, por isso trato de escondê-los! Já os contos, gosto de alguns, dentre os que fiz. Ganhei alguns premios, e o que motivou a inscrever-me nos concursos, foi exatamente a oportunidade de receber, por exemplo, a coleção completa de Gabriel Garcia Marques. Apaixonei-me, de imediato, por Cândida Erêndira. Muitos foram os livros que me acompanharam, muitos autores descortinaram diante de meus olhos belíssimas estórias, que forjaram minha maneira de ser e enxergar o mundo. Por isso resolvi criar esse espaço, para trocar idéias, sugerir não só leituras boas, mas boas visitas a lugares imperdíveis, passeios culturais, enfim, direcionar assuntos àqueles amigos que também compartilhem desse gosto, deixando de chatear os demais! Afinal, nem todos os nossos amigos merecem a nossa chatice, só os muito, muito chegados!