quarta-feira, 8 de abril de 2009

O amor acaba- Paulo Mendes Campos

"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; ás vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia;; no andar diferente da irã dentro de casa o amor pode acabar;na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor podae acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de tres goles mornos de gim à beira da piscina, no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias; mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores, em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de dilicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desepero; nos roteiros do tédio para o tédio,na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conuugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve, em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diameante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados, e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo, na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; em qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba."

terça-feira, 7 de abril de 2009

Trecho de Uma Breve História do Mundo

"(...)Dezenas de milhares de anos antes do surgimento dos sacerdotes e dos videntes, os sonhos vividos devem ter sido recontados com admiração. A importância dos sonhos era um reflexo da importância da noite, quando os sonhos aconteciam. Em um acampamento simples, numa sociedade nômade, a presença da noite e a intensidade da escuridão praticamente dominavem. Hoje, uma grande cidade iluminada praticamente domina a noite." A imagem de um céu estrelado, escuro, pesando sobre os medos humanos é muito forte. A sensação de desabrigo, a perda de sua identidade durante as longas horas de escuridão, levou o homem a buscar o conforto na proteção divina. A noite era necessária como um tempo de realização das coisas que estavam fora da esfera material, portanto, longe do domínio dos primeiros humanos. Simples assim. Tirei esse trecho do livro Uma Breve História do Mundo, de Geoffrey Blainey.Tem sido meu best-seller de cabeceira, vou lendo aqui e ali um trecho, antes de dormir. Recomendo esse livro, pois é uma verdadeira viagem no tempo, sendo a história da humanidade contada de maneira fácil e gostosa de se ler, como se fosse uma novela. Agora vamos nos enfiar em nossos pijamas e cair na caminha. Beijos, Márcia.

domingo, 5 de abril de 2009

Considerações sobre um trecho de Funari...

Queridos, nessa bela tarde de domingo, ao invés de estar curtindo imensamente a bela piscina aqui de casa, ou mesmo tirando um cochilinho depois do almoço, tenho a oportunidade de ler um texto de Pedro Paulo Funari, pois tenho prova de arqueologia na segunda-feira. Escolhi o trecho abaixo para dividir, espero que apreciem: " O caráter periférico do Brasil no contexto científico internacional e a importação de conceitos europeus por parte de nossas elites viriam a gerar um duplo movimento de identidade cultural. Por um lado, a valorização de um passado aqui territorialmente inexistente, representado no culto às elites clássicas, desde o Egito Faraônico, passando por gregos e romanos, até chegar às monarquias modernas. Por outro, a imposição, desde a década de 1870, das idéias de progresso e, nos últimos anos, de desenvolvimento. Assim, à valorização de um passado externo correspondeu a destruição física e ideológica da memória nativa, seja a indígena seja a "herança atrasada" a ser superada pelo desenvolvimento. Esses dois fatores, isolamento científico e identidade cultural subordinada a modelos externos, viriam determinar as funções básicas da arqueologia em solo brasileiro. Trata-se em nosso meio, de uma disciplina acadêmica importada, implicando uma atuação marginal em termos da cultura nacional. De fato, na medida em que os vestígios arqueológicos no Brasil se referem, em geral a comunidades indígenas exterminadas durante a colonização do país, a escavação dos sítios pré-históricos desvincula-se dos interesses dos principais segmentos sociais." Bastante esclarecedor, precisamos nos acostumar e difundir a idéia de que nosso passado não remonta aos quinhentos anos preconizados numa visão colonizadora, nossos vestígios têm em torno de doze mil anos. Além disso, a cerâmica mais antiga das Américas não é Maia, nem Inca, nem Asteca. É a cerâmica Mina, amazonense. Procurem no google. Beijos, obrigada por me aturar, estou impossível ultimamente. Márcia.