segunda-feira, 26 de setembro de 2011

COMO SE DEVE ESCREVER A HISTÓRIA DO BRASIL

      A monografia intitulada “Como se deve escrever a história do Brasil”, de Carl Friedrich  Philipp Von Martius, saiu vencedora do concurso promovido no ano de 1840, pelo IHGB, cuja proposta era responder qual seria o melhor sistema para a elaboração de uma escrita historiográfica brasileira.

      Como vimos em posts anteriores, naquele momento histórico, fazia-se necessário criar um sentimento comum, de nacionalismo, de pertencimento, em todas as classes sociais, para um país que acabara de nascer. Fazia-se também necessário legitimar o poder imperial, pois o Brasil configurava-se como o único país americano de regime político não republicano.

      O texto de Von Martius, elaborado de forma pragmática e filosófica, propunha a mescla das três raças para a formação do povo brasileiro, em uma concepção de história que fosse comum a todos. Para tal, discorria a respeito das contribuições de cada uma das raças na formarção  da Nação.

     No entanto, se analisada com maior cuidado, deixa claro que o papel reservado ao branco, português, é o de agente civilizador, enquanto que ao índio e ao negro são relegados os papéis de meros colaboradores deste processo.

     Logo nos primeiros parágrafos, O autor revela seu ponto de vista:


“ (...) Cada uma das particularidades físicas e morais, que distinguem as diversas raças, oferece a este respeito um motor especial; e tanto maior será a a sua influência para o desenvolvimento comum, quanto maior for a energia, número e dignidade da sociedade de cada uma dessas raças. Disso necessariamente se segue o português, que, como descobridor, conquistador e senhor, poderosamente influiu naquele desenvolvimento; o português que deu as condições e garantias morais e físicas para um reino independente, que o português se apresenta como o mais poderoso e essencial motor. Mas também de certo seria um grande erro para todos os princípios da historiografia pragmática se se desprezassem as forças dos indígenas e dos negros importados; forças estas que igualmente concorreram para o desenvolvimento físico, moral e civil da totalidade da população.”



Ou ainda:



“ (...) Jamais nos será permitido duvidar que a vontade da providência predestinou ao Brasil esta mescla. O sangue português em um poderoso rio deverá absorver os pequenos confluentes das raças índia e etiópica. Em a classe baixa tem lugar esta mescla e como em todos os países, se formam as classes superiores dos elementos das inferiores; e por meio delas se vivificam e fortalecem assim se prepara atualmente na última classe da população brasileira essa mescla de raças, que daí a séculos influirá poderosamente sobre as classes elevadas, e lhes comunicará aquela atividade histórica para a qual o Império do Brasil é chamado.”

     Von Martius propõe aos historiadores brasileiros que transportem-se à casa dos colonos, para mostrar como viviam e se relacionavam,  que vivenciem a vida no interior das famílias, observando ainda sua relação com os escravos. Que demonstrem, a ação da Igreja, da escola, de que forma chegavam as idéias da Europa, a influência destas na vida dos brasileiros, como era a vida militar, o comércio, a navegação, a construção naval, entre outros. Deverão os historiadores, ainda, defender as “raças menores” e de forma cristã e filantrópica, estudá-las.

     Com relação aos índios, Von Martius propõe uma maior investigação a respeito da historia de seu desenvolvimento, chamando-os de “habitantes primitivos do Brasil”. Reconhece a contribuição de sua exótica cultura, propõe o estudo de sua língua, reconhece-lhes a humanidade.                     

     Sua visão é permeada de elementos filosóficos comuns aos homens de seu tempo. É eugênica, faz distinção entre “raças”, sobrepõe os valores morais do “homem branco” sobre os demais, crê na degeneração da cultura indígena, considera a religiosidade destes meras crendices, entre outros equívocos  :


“ (...) Que povos eram aqueles que os portugueses acharam na terra de Santa Cruz, quando estes aproveitaram e estenderam a descoberta do Cabral? De onde vieram eles? Quais as causas que os reduziram a esta dissolução moral e civil, que neles não reconhecemos senão ruínas de povos? (...)”


     No que diz respeito à contribuição da cultura negra, o autor destina-lhe apenas dois breves parágrafos, propondo estudos mais aprofundados, principalmente com relação à história universal do tráfico negreiro,  à situação das colônias portuguesas na África, desviando o foco de interesse para as questões das feitorias portuguesas naquele país. Comenta que a literatura portuguesa oferece muito pouco a respeito deste assunto, propondo ainda, um estudo comparativo entre as índoles, costumes e usos entre negros e índios.

     Com relação ao tema que dá título ao trabalho, no entanto,  é vago:

“(...) Não há dúvida que o Brasil teria tido um desenvolvimento muito diferente sem a introdução dos escravos negros. Se para o melhor ou para o pior, este problema se resolverá para o historiador, depois de ter tido ocasião de ponderar todas as influências, que tiveram os escravos africanos no desenvolvimento civil, moral e político da presente população.”


     Tal proposta atormentaria os futuros historiadores, que dariam a esta questão uma resposta negativa, até os idos de 1933, quando Gilberto Freire os redime com sua obra “ Casa Grande e Senzala”, que abordaremos mais adiante.

     Conclui falando a respeito da grande dificuldade que os autores encontram ao tentar escrever a historia do Brasil, devido a grande extensão do território brasileiro e das variedades de fauna, flora, clima, solo, costumes  e elementos populacionais e destaca a  necessidade do historiador em familiarizar-se com as particularidades das diversidades regionais brasileiras.

   Com esta obra, Von Martius definiu as bases de um projeto histórico, que garantisse uma identidade ao Brasil. De suas interpretações, foi construído o imaginário de toda a população brasileira a respeito de si, e principalmente, norteou  o raciocínio das “elites pensantes “ da época. Além disso, lançou os alicerces do “ mito da democracia racial brasileira”.


Fonte bibliográfica:


Como se deve escrever a história do Brasil- Carl Friedrich Philipp Von Martius,







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