terça-feira, 29 de julho de 2008

PLATÃO- DEFESA DE SÓCRATES. Tradução de Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade, Gilda Maria Reale Strzynsky- São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda; 1996.1 MÁRCIA VAZ DE MELLO TAUBE MARANHO2 A obra Defesa de Sócrates, escrita por Platão (428-348 aC.) é dividida em três partes distintas: na primeira, Sócrates apresenta sua defesa, na segunda, dialoga com seus acusadores, demonstrando que eles desconheciam o significado daquilo que o acusavam, e finalmente, Sócrates fixa a própria pena e é condenado. Para melhor compreender esta obra em toda sua dimensão, é necessário antes de mais nada, que nos voltemos ao contexto histórico em que ela se insere, para que nenhum detalhe nos passe desapercebido. Acredito que o “Século de Péricles”, idade de ouro da civilização ateniense, em que Sócrates viveu, foi um dos mais maravilhosos e criativos da história da humanidade. Atenas era o centro do mundo grego, para onde convergiam escultores, filósofos, pensadores, poetas e autores trágicos, sob a proteção de Péricles. Em meio a este caldeirão cultural e de experiências políticas, foi que houve a tentativa, pela primeira vez na história da humanidade, de um governo democrático. Havia uma valorização muito grande do poder da oratória, que era vista como arte. Os professores de eloqüência eram buscados para polir a linguagem e melhorar o discurso dos filhos das elites atenienses. __________________________________________________________________________________________________________ 1Resenha apresentada à disciplina de História Antiga, sob a rsponsabilidade do professor Marco Aurélio Machado Oliveira. 2Acadêmica do curso de História, CPAN/UFMS> ____________________________________________________________________ Sócrates acredita ter sido imbuído de uma “missão Divina”: despojar de pseudoverdades seus interlocutores, através do diálogo. Desta forma, afirmando sua própria ignorância a respeito de todas as coisas ,submete seus interlocutores ao método da ironia e da maiêutica e trava embates verbais com os sábios de sua época, terminando por deixá-los confusos acerca do que afirmavam e fazendo-os reconhecer a própria ignorância. Considerando-se um médico de almas, determinava quais pessoas estavam preparadas para receber o “tratamento”. Desta forma, angariou muitos inimigos. Além disso, discursava abertamente em praça pública, democratizando o saber, antes reservado ás classes abastadas. Para a democracia ateniense, que negava á maioria da população ( mulheres,escravos e estrangeiros) direitos políticos e sociais, tal situação constituía uma ameaça, por denunciar suas limitações. Dentro desse contexto, no ano de 399 a.C, Sócrates viu-se diante do tribunal dos heliastes, que era composto de cerca de 500 cidadãos atenienses sorteados, reunidos para julga-lo das acusações de não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Seus acusadores eram Meleto, um poeta; Anitos, um político abastado e Lição, um personagem de pouca importância em sua época. Assim tem início, graças ao relato de Platão, uma das mais deliciosas obras da antiguidade clássica, muito embora nunca se saiba o que de fato foi dito por Sócrates e o que foi acrescentado pelo próprio Platão, seu fiel discípulo, fato este que tem sido alvo de inúmeros estudos pelos historiadores, e que, em minha opnião, torna a história toda muito mais curiosa e divertida. Ao defender-se das acusações, Sócrates parecia buscar defender algo muito maior, que era mostrar ao povo ateniense a ignorância a que estavam submetidos e que a busca pelo conhecimento era direito de todos. O que Sócrates defendia era a liberdade da busca pelo saber, livre de preconceitos, pelo povo ateniense. Sócrates rompe com os paradigmas de sua época dizendo que “(...)bom é, assim, o homem autoconstruído a partir de seu próprio centro e que age de acordo com as exigências de sua alma-consciência”. As mulheres, escravos e estrangeiros, dotados de alma-consciência poderiam, perigosamente, começar a reivindicar seus direitos. E, de fato, essa nova concepção de alma passou a dominar toda a tradição oriental. Uma das coisas mais curiosas, a meu ver, foi a forma pela qual Sócrates obteve autoridade moral para cumprir sua missão e que também não pode ser entendida fora do contexto de sua época: a pitonisa do Oráculo de Delfos. Esta, disse À Querofonte, seu discípulo, que não havia homem mais sábio do que Sócrates, que a partir desse episódio, tomou como missão de vida tentar desmenti-lo. Para tal, como vimos, interrogou os homens tidos como os mais sábios de sua época, sempre saindo decepcionado por ter percebido e feito com que eles percebessem que eram uma fraude. A inteligência e a argumentação convincente de Sócrates é para nós revelada nesse texto, em que temos prova da habilidade oratória experimentada pelos seus concidadãos, como um presente daquela civilização á nossa. Na primeira parte de sua defesa, por exemplo, em um diálogo delicioso de ser lido, Sócrates busca desqualificar Meleto através de uma argumentação analítica, em que demonstra ao povo ateniense que o próprio acusador desconhecia verdadeiramente o significado daquilo que o acusava. Mas é na segunda parte do texto que ao meu ver, reside a parte mais interessante da obra: a exposição do Sócrates histórico, por ele mesmo, onde não busca contestar Meletos e sim, contar a sua história aos atenienses. Essa segunda estratégia de Sócrates, que vendo-se condenado, expõe-se em sua humanidade, é particularmente encantadora. Sócrates vê-se diante de um dilema: tendo sido pedido para ele a pena de morte, poderá refutá-la, solicitando para si outra pena, tal como o exílio, ou uma multa. Sabendo que era essa a intenção, desde o início, de seus acusadores, e não desejando ser lembrado pela juventude por ter capitulado e assumido erros que não cometeu, diante da morte eminente, decide não fazer concessões e a abraça, causando o desconforto de seus acusadores.A democracia ateniense vê-se diante da situação irreparável de ter de condenar um inocente, diante dos olhos do povo. Em algumas partes deste discurso,especialmente a terceira, em que Sócrates despede-se do tribunal, fica muito clara a semelhança entre Sócrates e outra figura histórica: Jesus de Nazaré. Ambos, após uma vida dedicada á pregação e oratória, que consideravam ser uma missão divina, são condenados á morte por crimes que não cometeram e bebem desse cálice. O primeiro, de cicuta, o Segundo, Aquele que lhe foi reservado pelo Pai. Nenhum dos dois escreveu uma única palavra em vida, tudo o que sabemos deles foi escrito por seus discípulos e constituem a base de tudo o que sabemos a respeito de ambos. Sócrates, a exemplo de Jesus, no capítulo XXX, afirma não estar zangado com seus acusadores, nem com aqueles cujos votos o condenou, uma vez que para ele era melhor morrer agora e ser liberto das coisas deste mundo, pois esse era o interesse dos deuses. Nem um nem outro se furtam em abraçar a morte, sem temor. É belíssima a parte em que Sócrates discursa sobre o que a morte seria, uma noite sem sonhos ou uma passagem para outra existência, e em ambos os casos, maravilhosa. Só a existência destes últimos capítulos, a meu ver, já justificaria a leitura dessa obra: “(...)Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se,de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente.(...)Se, ao contrárario,a morte é como uma passagem deste para outro lugar, e, se é verdade que se diz que lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir, ó juizes, maior do que este?(...) Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade(...).” E despede-se dos presentes, dizendo: “Mas já é hora de irmos: eu para a morte, e vós para viverdes. Mas, quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para deus.”

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