quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A moça na janela- uma história de Ouro Preto

Talvez algum amigo de Minas conheça a história das duas irmãs solteironas que viveram há muitos anos atrás, na cidade de Ouro Preto. Tenho até vergonha de ser clichê contando que uma delas chamava-se mariquinhas, mas é verdade! Viviam num casarão, que naquela época já era centenário, sempre a espiar pelas janelas, a saber de tudo o quanto acontecia na cidade. Mas pouca gente sabe a verdadeira história escondida por detrás da lenda. Eu conheço, pois as irmãs eram parentas da minha bisa Alice e ela me contou essa e outras histórias de família. Quem conhece Ouro Preto sabe o quanto essas histórias são comuns, contos que envolvem amores perdidos, desilusões, almas de outro mundo, porões com gritos de ex-escravos e coisas assim. Essa tataraparenta minha, ficou noiva de um rapaz muito bonito, dono de fazendas na região, e começou a terminar os preparativos do longo e lento enxoval, como era de costume na época. Tudo era caprichosamente feito e bordado á mão, pelas moças prendadas e sua família: toalhas, lençóis, camisolas, desde muito cedo. Depois, era cuidadosamente guardado em baús ou móveis gaveteiros próprios, com chave. Por ocasião do noivado, as moças de famílias distintas costumavam exibir o delicado enxoval às amigas e parentes, algo parecido com o nosso chá de panela moderno, no intuito de exibir o delicado trabalho. Havia a curiosa camisola-do-dia, imaculadamente branca, assim como imaculada devia ser a noiva, que além das rendas e laços, devia possuir, na altura do sexo, uma passagem conveniente em formato de cruz. Fico imaginando os dois noivos na noite de núpcias. A pobre coitada, apavorada, enfiada na medonha camisola e o noivo, vendo tudo aquilo e mesmo assim tendo que dar conta do recado. Isso sim, é a verdadeira pornografia. Mas voltemos à história. O fato é que o noivo, faltando semanas para o casamento, descobriu que tinha lepra e consternado, precisou adiar o casamento. Naquela época a hanseníase não era vista como hoje, muito menos existia cura. Mas através do quinino, algumas vezes conseguia-se algum milagre. O doente era afastado do convívio dos demais, em clínicas conhecidas como leprosários ou lazários. E o casamento precisou ser adiado. Todos os meses, cumpridas as recomendações e prescrições médicas, o paciente fazia exames para saber se estava ficando curado, e assim se passaram meses e meses. As cartas trocadas entre os noivos falavam de planos e eram encorajadoras. Finalmente, ele escreveu dizendo que estava curado, precisando apenas repetir o exame por mais uma vez e que ela devia dar os acabamentos no vestido de noiva. Alegre, a família marcou a data e reiniciou os preparativos, mas infelizmente, a contraprova deu positiva. O casamento foi novamente adiado e todo o tratamento médico reiniciado. Assim se passaram três longos anos de espera, literalmente, na janela. Por fim, as cartas escassearam-se, perderam o brilho e a esperança de cura. A noiva, na janela, sempre a esperar avistá-lo, chegando de muito longe, curado. Mas isso não aconteceu. Chegou notícia que ele morrera, e ela enlouquecida pela longa espera, vestiu-se de noiva e desceu, de noite, pelas ladeiras de Ouro Preto. Procurou por ele em todos os lugares, bateu em muitas portas, entrou em várias Igrejas. Por fim, trancou-se no casarão para nunca mais sair, necessitando da ajuda da irmã para as coisas relacionadas ao mundo exterior. Essa é a triste história por detrás da história da moça na janela, contada e repetida ainda hoje, pelos moradores das cidades históricas de Minas Gerais. Há quem diga que em algumas noites de chuva, é possível avistar minha tataraprima descendo as ladeiras, vestida de noiva, batendo nas portas e janelas. Quem já viu, jura que é verdade: não se sabe se o barulho é de choro, ou se o barulho é do vento. Márcia Taube

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