sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Florbelianas

FANATISMO "Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver ! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida ! Não vejo nada assim enlouquecida ... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida ! "Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..." Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim ! E, olhos postos em ti, digo de rastros : "Ah ! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..." Queridos amigos: isso não é de Fagner! Foi escrito em 1923 pela poetisa portuguesa Florbela Espanca. Seus lindos sonetos parecem ter sido escritos pedindo para serem musicados! "Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse a chorar isto que sinto!" Nascida em Évora, linda cidade portuguesa, que tive a oportunidade de visitar há oito anos atrás, com suas ruinas romanas dedicadas á deusa Diana. Teve uma história de vida conturbada, desde seu nascimento. A mulher de seu pai não podia ter filhos e seguindo uma tradição medieval, os teve com outra mulher, que acabou deixando o a poetisa e seu irmão para serem criados pelo pai e pela madrasta. Melancólica, escreveu aos sete anos seu primeiro poema: A VIDA E A MORTE "O que é a vida e a morte Aquella infernal enimiga A vida é o sorriso E a morte da vida a guarida A morte tem os desgostos A vida tem os felises A cova tem as tristezas I a vida tem as raizes A vida e a morte são O sorriso lisongeiro E o amor tem o navio E o navio o marinheiro" Mas além disso, seus poemas tratavam simplesmente de amor. E foram necessários um amor maior do que o outro, para que, carregados de erotismo, pudessem ser escritos. Precursores do movimento feminista, foram um escândalo! SÚPLICA "Olha pra mim, amor, olha pra mim; Meus olhos andam doidos por te olhar! Cega-me com o brilho de teus olhos Que cega ando eu há muito por te amar. O meu colo é arminho imaculado Duma brancura casta que entontece; Tua linda cabeça loira e bela Deita em meu colo, deita e adormece! Tenho um manto real de negras trevas Feito de fios brilhantes d`astros belos Pisa o manto real de negras trevas Faz alcatifa, oh faz, de meus cabelos! Os meus braços são brancos como o linho Quando os cerro de leve, docemente... Oh! Deixa-me prender-te e enlear-te Nessa cadeia assim etemamente! ... Vem para mim,amor... Ai não desprezes A minha adoração de escrava louca! Só te peço que deixes exalar Meu último suspiro na tua boca!..." A morte de seu pai, a perda de duas gestações, as muitas separações ,o falecimento precoce de seu irmão, agravaram o estado mental da poetisa, que acabou por suicidar no dia de seu aniversário. VAIDADE "Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho...E não sou nada!..." Mas não quero terminar com esse poema tão belo e tão triste. Prefiro fechar com esse outro, que talvez seja o meu favorito: OS VERSOS QUE TE FIZ "Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer. Têm dolência de veludos caros, São como sedas pálidas a arder... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer! Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda... Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz! Amo-te tanto! E nunca te beijei... E nesse beijo, amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz!" Grande Florbela Espanca!

Nenhum comentário:

Postar um comentário